segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Delia Elena San Marco - Jorge Luis Borges


Despedimo-nos em uma das esquinas do Once.

Da outra calçada tornei a olhar; você tinha-se virado e me acenou com a mão.

Um rio de veículos e de gente corria entre nós; eram cinco horas de uma tarde qualquer; como eu podia saber que aquele rio era o triste Aqueronte, o intransponível?

Não nos vimos mais e um ano depois você estava morta.

E agora procuro essa memória e a observo e penso que era falsa e que por trás da despedida trivial estava a infinita separação.

Ontem à noite não saí depois do jantar e reli, para compreender essas coisas, o último ensinamento que Platão põe na boca de seu mestre. Li que a alma pode fugir quando a carne morre.

E agora não sei se a verdade está na infausta interpretação ulterior ou na despedida inocente.

Porque, se as almas não morrem, é bom que em suas despedidas não haja ênfase.

Dizer adeus é negar a separação, ou seja: “Hoje brincamos de nos separar, mas nos veremos amanhã”. Os homens inventaram o adeus porque se sabem de algum modo imortais, embora se julguem contingentes e efêmeros.

Delia: um dia reataremos – à margem de que rio? – este diálogo incerto e nos perguntaremos se algum dia, em uma cidade que se perdia em uma planície, fomos Borges e Delia.

(
O Fazedor, 1960)

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