“11-12-70. Olga, datilografo essa carta porque minha letra anda péssima.
“Eu achei sim uma nova amiga. Mas você sai perdendo. Sou insegura, indecisa, sem rumo na vida, sem leme pra me guiar: na verdade não sei o que fazer comigo. Sou uma pessoa muito medrosa. Tenho problemas reais gravíssimos que depois lhe contarei. E outros problemas, esse de personalidade. Você me quer como amiga mesmo assim?
“Se quer, não me diga que não lhe avisei. Não tenho qualidades, só tenho fragilidades. Más às vezes (não repare na acentuação, quem acentua pra mim é tipógrafo), mas às vezes tenho esperança. A passagem da vida para a morte me assusta: é igual passar do ódio que tem um objetivo e é limitado, para o amor que é ilimitado. Quando eu morrer (modo de dizer) espero que você esteja perto. Você me pareceu uma pessoa de enorme sensibilidade, mas forte.
“Você foi o meu presente de aniversário. Por que no dia 10 quinta feira, era meu aniversário e ganhei de você o menino Jesus que perece uma criança alegre brincando no seu berço tosco. Apesar de, sem você saber, ter me dado um presente de aniversário, continuo achando que meu presente de aniversário foi você mesma aparecer, numa hora difícil, de grande solidão.
“Precisamos conversar. Acontece que eu achava que nada mais tinha jeito. Então vi um anuncio de uma água de colônia da coty, chamada imprevisto. O perfume é barato, mas me serviu para me lembrar que o inesperado bom também acontece. E sempre que estou desanimada, ponho em mim o imprevisto. Me dá sorte. Você, por exemplo, não era prevista. E eu imprevistamente aceitei a tarde de autógrafos. Sua, Clarice.”